A palavra de ontem foi ALGUM. Tão presente no nosso dia a dia, ela é a palavra da possibilidade, da incerteza e do potencial. Não aponta para o que é, mas para o que pode ser.

Uma Certa Origem

"Algum" nasceu da expressão latina aliquis quem, que se pode traduzir como "alguém que". A palavra-chave aqui é aliquis, que significa "um certo alguém" ou "uma certa coisa". A sua função é precisamente a de indicar a existência de algo ou alguém, sem o especificar.

A língua portuguesa leva esta indefinição a um nível fascinante. A posição da palavra na frase pode inverter totalmente o seu sentido. "Algum homem faria isso" significa que existe pelo menos um que o faria. Mas "Homem algum faria isso" significa que ninguém o faria. "Algum" é, portanto, uma palavra fluida, cuja identidade depende do lugar que ocupa.

A Luta por Ser Alguém

Se "algum" é o estado de indefinição, como podemos visualizá-lo? A resposta pode estar no mármore de Miguel Ângelo e nos seus famosos "Escravos Inacabados". Criados para o túmulo do Papa Júlio II, estas esculturas mostram figuras humanas a lutar para emergir do bloco de pedra.

Eles não estão totalmente formados nem completamente abstratos. São "alguém" a meio do processo de se tornar. Capturam a essência da palavra "algum": a existência de uma identidade em potencial, ainda presa na matéria bruta do indefinido. A filosofia de Miguel Ângelo via o escultor não como um criador, mas como um libertador da forma que já existia dentro da pedra. O seu trabalho era libertar "alguém" do mármore.

Escultura em mármore de Miguel Ângelo de uma figura humana a emergir de um bloco de pedra, parecendo lutar para se libertar.
'Escravo a Despertar' (c. 1525-1530) de Miguel Ângelo. A representação perfeita de 'alguém' a lutar para emergir do indefinido.

"Algum" é, assim, muito mais do que uma palavra gramatical. É o espaço da potencialidade. É a promessa de que, dentro de cada bloco de matéria, de cada momento de incerteza ou de cada silêncio, existe "alguém" ou "algo" à espera de ser nomeado e revelado.